sexta-feira, 18 de julho de 2008

Subitamente, tudo que se aprendeu durante anos torna-se absolutamente irreconhecível.Os valores aparecem carentes de significados, um vazio completo, milhões de estradas a serem contruídas,o passado são ruínas inescrutáveis. De nada adianta ter vivido, no fim das contas é só você e o presente, um presente cada vez menos passado, cada vez mais futuro. Entretanto, apenas presente, indissolúvel, absurdamente desafiador.

M.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Ficção

Oswaldo e Letícia chegavam às oito da matinê. Felizes e, ligeiramente tomados pelo efeito de alguns goles de cerveja, eles escarneciam e criavam anedotas com tudo que viam. A fumaça do cigarro tomava a calçada e irritava um velhinho transeunte que, absorto, pensava na sua morte vindoura. A noite havia sido divertida, os dois irmãos conversaram, pela primeira vez, de maneira mais íntima e privada de pudores, o que o faziam mais felizes e mais confiantes, pois, depois da morte da sua mãe, há mais de um ano, era como se o corpo deles não tivesse qualquer serventia ou funcionalidade, semelhante a flor que murcha, mesmo que esteja no jardim mais candente da vizinhança. Porém a vida, agora, era uma prova, como um jogo de sobrevivência, onde eles teriam que se unir, pranteando a dor e sorrindo forte, nos momentos de vitória. Os óbices, deveras, não saíam da estrada ainda, nem nunca sairiam, contudo o tempo lhes pronunciaria as missões pelas quais eles atenuariam os obstáculos.
Agora, no sofá da casa, fitavam-se, de maneira bucólica e trivial, se amando como Paulo ensinou. Ambos se fascinavam com os recados que os olhos firmes enviavam mutuamente, tornando-se tudo mais elucidativo para eles, e o sentido da vida encetava a ressurgir, com rumores de paz e felicidade, o que tanto possuíam anseio. A morte era, a cada dia, mais natural e adaptável, posto que, paulatinamente, a vida recompunha-se com muitos esforços e dedicação com o interior e com as reflexões, as quais os lecionavam a aplicarem o amor. Agora, parecia que Deus realmente voltava a existir e o ceticismo fenecia como uma pluma no vento; a fé era mais inabalável que tudo e os valores menos tênues. Letícia abriu um sorriso mais singelo e genuíno, porque Oswaldo já dormia, falando, com a dificuldade de eloqüência dos ébrios, sentenças frívolas. A irmã o levou até a rede, fez-lhe carinhos, até ele adormecer de vez, pedindo mais cerveja e falando de suas eternas paixões e foi até a varanda devorar o seu terceiro e último cigarro da noite. A brisa era lânguida e fria, e ela sentia o cheiro da mãe, ainda que o tempo lhe apagasse da memória tal odor, mas o espírito parecia ser bem mais tenaz e a presença materna pairava cada vez com mais certeza. Verteu-se uma única lágrima, todavia a mais sincera de toda a sua vida. Voltou e dormiu na redinha ao lado de Oswaldo.

Lafayette Gadelha
João Pessoa, 16 de Julho de 2008

terça-feira, 8 de julho de 2008

O apartamento é um vazio sem ela. Se nós tirássemos todos os móveis e deixássemos apenas cheiro, silêncio e paredes, ainda assim ele estaria cheio, pois embora naquele tempo ela nao fosse toda a completude da casa, agora é como se , sem ela, nada existisse além de sombras, um amor caminhando às cegas num deserto de melancolia.
Todo gol é menos gol, o palmeiras é menos palmeiras e o álcool é tudo de melhor na vida. O que entorpece é tão sublime quanto ser um pequeno animal inocente brincando sem qualquer idéia de que um caçador astuto está na espreita : o dia seguinte, todos os dias que virão.
O que restou do corpo dela ainda guarda a alegria transbordante, a humanidade incondicional, o desejo de luta, as dores, suas mágoas, suas tristezas? Só imagino um cadáver fétido, um esqueleto que a terra chama para si dia a dia, uma ausência absoluta dos seus movimentos tão ávidos dos próximos e dos próximos. Nada da vontade de nunca repousar, da celeridade e da ternura tão breve, mas tão profunda que agora, em minha recordaçao, parece infinita, imensa.
A memória é uma traidora.O que antes era insignificante e por assim o ser, esvaiu-se, agora é da maior importância, é crucial e seu esquecimento, doloroso. Queria mais e mais lembranças, mais e mais.
Ela tinha os olhos vivos e o espírito inquieto, podia chorar como um bebê e sua explosão de ódio era a de um titã. Eu procuro açao em suas fotografias, procuro pra onde foi depois delas, exploro as bordas do retrato em busca de sua imagem caminhante, como se ela tivesse se escondido além daquele papel.Procuro uma continuaçao daquele instante lindo onde ela existia, não estática, mas quando sorria e interagia, onde poderia me falar, me beijar e rir comigo até chorar.
Agora, olhando tudo que é inanimado que ainda há dela ao meu redor, eu choro até rir da ironia da vida, dos percalços, das curvas em que a gente não reduz e fatalmente derrapa e acaba num acostamento poeirento, cheio de mosquitos e plantas que dão alergia, como os do sertão. Da ironia que é suas roupas existirem no seu guarda-roupa, seus livros me observarem da estante, da sua maquiagem ainda me servir, dos poder ler seus escritos, tinta azul em papel branco, de carregar sua bolsa e encher com minhas sujeiras, da ironia que tudo isso, tão frágeis objetos, uma folha que pode ser amassada com um aperto de mão, um livro que pode ser queimado, como os papéis, um pó compacto, que, caindo no chão nunca mais pode ser utilizado, suas roupas, que posso picotar em pedacinhos,subsistam parecendo imortais, enquanto ela, um corpo vigoroso, uma atitude incansável, uma mente inteligente e um caráter firme, jaz como menos que tudo que me serve e a serviu sem nenhum valor, sem nunca ser amado nem nos amar. '
E nós, que nos amávamos tanto e que servíamos uma a outra com sacrifício e zelo, estamos separadas pela frieza do seu corpo, pela incapacidade irreversível que ele tem de me envolver.
Minha flor, você tinha cheiro de tangerina e espero que ainda tenha, suas cinzas vão cheirar a tangerina e daqui a muitos e muitos anos, quando aquele cemitério for tomado pelo vento e pelo vento, quando seu túmulo for uma ruína e você nada mais tiver de pele, músculos e ossos, ainda assim, suas cinzas vão cheirar a tangerina e seguirão com a brisa e um bando de pássaros para uma praia distante,onde um menino imensamente alegre numa manhã irresistível de verão dirá para um pai surpreso: pai, construí um castelo de areia que cheira a tangerina. E você será esse castelo, outra vez o vento lhe levará para longe e eu nunca mais vou saber onde você está. Como desde o dia em que você sumiu e sua voz só ficou num vídeo.

M.

domingo, 6 de julho de 2008

(Olha, benzinho, cuidadoCom o seu resfriadoNão pegue serenoNão tome geladoO gim é um venenoCuidado, benzinhoNão beba demaisSe guarde para mimA ausência é um sofrimentoE se tiver um momentoMe escreva um carinhoE mande o dinheiroPro apartamentoPorque o vencimentoNão é como eu:Não pode esperarO amor é uma agoniaVem de noite, vai de diaÉ uma alegriaE de repenteUma vontade de chorar)