domingo, 19 de julho de 2009

Laika

Era uma sexta feira fria devido a chuva incessante dos trópicos, mas de céu limpo, naquele momento em especial, embora escuro, sem estrelas e de lua minguante. Para completar, minha rua estava num breu só, justamente por causa das tempestades julinas que nunca se deram bem com a eletricidade, que quebram os postes e que afastam, por um breve instante, algo de nossa civilização (pausa para recordar que a energia solar não teria problemas com chuvas, tropicais ou não).

Pois neste dia, saindo de casa e tão envolvida pelo Cosmo (é que a falta de luz deixa assim as pessoas densas: vulneráveis à natureza,achando que o mundo, tal qual o conhecemos, deteriorou-se, e sentindo tudo com muito mais força) , encontrei na calçada do meu prédio, sob o holofote da lâmpada à gerador da portaria, aquele pequeno cachorrinho preto e branco e do tamanho da minha mão aberta, chorando como o bebezinho que era e com uma ferida enorme aberta nas costas, onde fizeram casa vários insetos.

Primeiro, quero lembrar que não tenho grande afeição por animais. É horrível dizer que acho que sinto o Cosmo em sua plenitude, ainda que uma vez ou outra, mas que não tenho nenhuma sensibilidade para com animais. Não amo Pingo e Fofuxo (os poodles da minha casa), nao tive pena quando Pingo quebrou a perna e ficou manco por mais de um mês, não choraria se eles morressem, se gostasse de carne comeria tanto quanto como pizza. Mas aquele cachorrinho estava tão sozinho naquela noite sem energia, tão distante das estrelas no céu, que poderiam iluminá-lo e, no entanto, a luz do gerador era forte demais para os seus olhos que, acredito eu, estavam pouco acostumados àquela intendsidade e, pior, àquela exposição, pois ele estava como um ator principal sozinho no palco, deixado só no clímax da peça, e ao seu redor tudo era negro, negro , negro.


Decidi lutar pela sua existência, conectar-me com aquele pedacinho de vida oferecendo-lhe um pouco de esperança, sem nunca saber se ele chegou a compreender e nem se isso seria importante para ele como é para nós. Buscamos, eu e Marcelo, (embora um tanto quanto contrariado, afirmando o tempo inteiro que a morte era inevitável, que aquilo nas costas devia ser mordida de cobra, porque só abria e abria) uma caixa grande e colocamos um pouco ração machucada e misturada com leite dentro de um potinho dos poodles. Molhamos a grande ferida em suas costas e afastamos os insetos. De manhã, mesmo sendo sábado, garanti que acordaria cedo para levá-lo em um veterinário.

Lembrei-me de Laika, lançada no espaço sideral, sozinha e abandonada no Universo, tão distante das estrelas, tal qual aquele cachorrinho, depois de viver solta e sem dono pelas ruas de Moscou. Se ele tivesse sobrevivido, teria dado-lhe o nome de Laika, mesmo sendo homem. Mas, como Laika, ele morreu poucas horas depois de seu lançamento e aparição. E, também como ela, sempre tinha sido sozinho e sem dono, abandonado no Universo, aquele pedacinho de vida.

Aqui fica minha pobre homenagem, um registro de sua existência, já que há um monumento para Laika, que teve o mesmo fim.

M.