terça-feira, 15 de julho de 2008

Ficção

Oswaldo e Letícia chegavam às oito da matinê. Felizes e, ligeiramente tomados pelo efeito de alguns goles de cerveja, eles escarneciam e criavam anedotas com tudo que viam. A fumaça do cigarro tomava a calçada e irritava um velhinho transeunte que, absorto, pensava na sua morte vindoura. A noite havia sido divertida, os dois irmãos conversaram, pela primeira vez, de maneira mais íntima e privada de pudores, o que o faziam mais felizes e mais confiantes, pois, depois da morte da sua mãe, há mais de um ano, era como se o corpo deles não tivesse qualquer serventia ou funcionalidade, semelhante a flor que murcha, mesmo que esteja no jardim mais candente da vizinhança. Porém a vida, agora, era uma prova, como um jogo de sobrevivência, onde eles teriam que se unir, pranteando a dor e sorrindo forte, nos momentos de vitória. Os óbices, deveras, não saíam da estrada ainda, nem nunca sairiam, contudo o tempo lhes pronunciaria as missões pelas quais eles atenuariam os obstáculos.
Agora, no sofá da casa, fitavam-se, de maneira bucólica e trivial, se amando como Paulo ensinou. Ambos se fascinavam com os recados que os olhos firmes enviavam mutuamente, tornando-se tudo mais elucidativo para eles, e o sentido da vida encetava a ressurgir, com rumores de paz e felicidade, o que tanto possuíam anseio. A morte era, a cada dia, mais natural e adaptável, posto que, paulatinamente, a vida recompunha-se com muitos esforços e dedicação com o interior e com as reflexões, as quais os lecionavam a aplicarem o amor. Agora, parecia que Deus realmente voltava a existir e o ceticismo fenecia como uma pluma no vento; a fé era mais inabalável que tudo e os valores menos tênues. Letícia abriu um sorriso mais singelo e genuíno, porque Oswaldo já dormia, falando, com a dificuldade de eloqüência dos ébrios, sentenças frívolas. A irmã o levou até a rede, fez-lhe carinhos, até ele adormecer de vez, pedindo mais cerveja e falando de suas eternas paixões e foi até a varanda devorar o seu terceiro e último cigarro da noite. A brisa era lânguida e fria, e ela sentia o cheiro da mãe, ainda que o tempo lhe apagasse da memória tal odor, mas o espírito parecia ser bem mais tenaz e a presença materna pairava cada vez com mais certeza. Verteu-se uma única lágrima, todavia a mais sincera de toda a sua vida. Voltou e dormiu na redinha ao lado de Oswaldo.

Lafayette Gadelha
João Pessoa, 16 de Julho de 2008

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